segunda-feira, 9 de abril de 2012

A NOITE QUE AMARIA UM ESTRANHO







A NOITE QUE AMARIA UM ESTRANHO...

Sentei-me. Pediu um chope. Abri o bolso de minha camisa lilás a bisbilhotar a grana que havia e com os dedos o avesso da toalha da mesa, escondia as migalhas dos olhares atentos, gatunos e ratos povoam as noites na caça constante de alguma presa fácil. O chope chegou, chegou geladinho e daquele ângulo via o capitulo da novela na TV lá no fundo do bar e aguardava amigos que nunca são pontuais. Virei à caneca entre goles e transpiros sutis observando o movimento ao redor. A calça prendia sobre a borda da cueca e a impressão era caricias a cada bicada no chope ainda fumegante. O movimento crescia de acordo com a chegada das bibas e mariposas a caça de mais um corpo ardente ou musculoso, outros gordos e peludos... Enquanto Mara não chegava, numa mesa de ursos vejo Bodinho todo discreto pirralhinho ouvindo o papo daqueles enormes homens gays, que não mostravam um protótipo de bicha, no jargão popular... Mais atrás encostado num carrão alheio despojada, num básico onde apresentava uma camiseta cinza se revelava um gosto discreto. Um sorriso também discreto. Um tênis preto, parecido aos antigos bambas, meio surrado, a outrora calça jeans e olhar desinibido passeava entre os cabelos ainda molhado com gel que teimavam confundir-lhe a vista e confundirem-se os pensamentos. Era Dona Flor. Mal cumprimentou Bodinho, dando margem de que alguma coisa errada existe entre os dois grandes amigos de caça...
Parecia adivinhar que ali poderia sair alguma crônica de última página de alguma revista de sucesso e eu quis soltar uma gargalhada. Segurei. Flor se achando discreta descansou os dedos e olhou para os lados e assenta-se numa cadeira ao chegar alguns companheiros... Mara chegou e eu já estava de papo com Lalá. Que criatura essa?Uma figuraça da cena gay de BH... Gente boa, mas fala... É incrível... Problema de família é com ela. Torna-se até folclórica.
Continuei a observar a todos e Dondinho chega-se sorrateiramente, bem mais magra, numa calça preta apertada e mostrando não ter bunda, num basicão branco colado no corpo acentuando os mamilos... Há certas pessoas que fazem tudo para aparecer, mas ao mesmo tempo não passam de uma barba mal feita ou uma camisa suja de feijão. São pessoas que criam o próprio mundo, ditam as próprias regras que, no entanto, servem somente para quebrar as minhas. Aquele tipo de pessoa que é minha melhor amiga na hora de pagar uma rodada de cerveja é a pior pessoa para contar nos momentos que preciso de um assunto para conversar ou uma simples companhia...Esse tipo de gente adora uma intriga. Gosta de julgar o caráter de cada um baseado em conversas alheias, mensagens no celular, fotos e textos publicados e ainda se sentem superiores pela popularidade criada na convivência social em que se estabelecem. São pessoas sem alma e sem destino. Vivem de temporadas. Criam suas próprias histórias da melhor maneira que lhes convém, e depois de um período deixam tudo para trás. Os amigos do passado, por motivo algum, se tornam inimigos ou parasitas.
As pessoas a transitar pelas avenidas e calçadas... Garotinhos novos de mãos dadas, emos aos montes e figuras de todos os tipos queriam mostrar a alguém, parecem querer dizer que estão ali vivos e começando a vida. Um moço estranho passara duas vezes em frente à mesa e cumprimentou a Mara. Era um antigo amigo. Fitou demoradamente na minha figura apoiada na mesa do canto, eu o admirava submerso em algum torpor de desejo. Seria essa a noite a amar um estranho?Eternamente durante os segundos em que nada víamos além do outro.
Passou as mãos pelo bigode por fazer. Sorriu o sorriso mais gostoso do mundo. Apresentaram-nos e num gesto curto como se quisesse dizer, você é meu desejo, apertou minha mão com doçura e senti ternura no olhar. Devolvi. Deixou-me meio amarrotado sobre a mesa e dirigiu-se ao lado, pegou uma cadeira sem vacilar. Olhou para trás e me viu. Palavras seriam desnecessárias, seria arriscar desfazer a magia de aquele olhar mudo, mas radiante e sublime...
Nos olhamos de frente. Eu o admirei de cara na contra luz desta noite outonal que invadia as janelas e a porta de meus olhos. Eu achei bacana aquele papo, o sorriso e a cada gole de cerveja ele encantava naquela camisa amarela da lacoste sendo ferozmente observado pelas criaturas da noite.
O pior estava por vir e existem pessoas que fazem questão nos decepcionar. Bodinho atrevido e esperto aproxima de nossa mesa sem cerimônia ou qualquer comemoração besta sem mesmo não ter um contato concreto Mara. O alvo é o Rick e acabara assentar conosco, numa calma incrível, olhar atento ao moço estranho que eu estava por conhecer e que achava que amaria essa noite. Aos poucos entrou na conversa e por fim já estava rindo, conversando como se fosse meu antigo e fiel amigo. Queria saber se ele iria à feijoada de Mara dia 4 de junho... Eu que não sou tolo, calei-me e passei a observar Bodinho e seu galanteio para cima do Rick... Ele queria beber, conhecer o moço e sem respeito algum, tentava alisar as mãos como uma bicha mundana e, sem se importar em ser julgada por qualquer tipo de gente, achei melhor continuar com admiração em meus olhos do que esse cara ter algum tipo de ressentimento... Aliás, gays não se tornam fantasmas, levando em conta que esse tipo de gente, por mais que não faça parte de minha vida, faz questão de recontar a própria história. Da maneira que quer, com o número de páginas necessário e a capa que achar melhor. Elas se baseiam nos erros, jamais exaltando as qualidades dos outros. Pobre gente! Pobre de moral e insanidade. Mostram os peitos e bocas na frente, na mesa ou em qualquer lugar para que a sexualidade se torne mais importante e pelas costas desejam ter um pinto enorme para foder ainda mais, pois minha incapacidade devido a erros do passado acaba deixando-me sem ação... Pobre Bodinho...E noutra mesa Dona Flor abraça e acarinha Dondinho...As vezes ficavam em pé e entre abraços e beijos afagos de vontade e desejos.Ameaçaram sair e retornavam a mesa dos outros amigos... Ainda bem que vivem de temporadas. E de reprises!
Nosso papo rolava, horas passavam e poderia citar outros nomes aqui, mas não passam de personagens criadas pela vida e que só protagonizam graças ao teste de sofá com o diabo ou qualquer colega que paga a cerveja, cigarro e o motel. Se bem que capaz do próprio diabo não suportar tamanha ignorância. Todo mundo, infelizmente, tem um gigabyte que cruzou seu caminho. Por isso começo achar Bodinho e Dona Flor tão natural, infelizmente.
Após beber, Bodinho oferece carona ao Rick que fica sem graça, mas aceita a carona, aliás, já bem íntimos foram-se e eu fiquei ainda com outro amigo que chegara para caça... Eu pensativo e mais uma vez, na bandeja perco a oportunidade de uma conversa melhor com uma pessoa interessante. E admirei também certo olhar confuso de despedida. O encanto acabava ali. Nunca mais nos veríamos imaginei.
E tudo que poderia ser e não foi? Não sei. Só sei que essa foi à noite em que achava que amaria um estranho...
- Ushuaia Dean domingo 02 de maio 2011 -

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