domingo, 22 de abril de 2012

ELE

FOTO Arquivo pessoal 2012 Ele contraiu os olhos num espano de dor quando eu pronunciava palavras na mesa lotada com amigos. Porque nunca deixou de me querer e nesta madrugada, finalmente não conseguiria dormir, está sendo torturado com minha presença e todos, até do outro bar observaram, o quanto aquele infeliz está incomodado comigo... Também pudera, sei o quanto representei em sua vida, o quanto aprendeu alguns valores menos votados. Acredito que queria mesmo era dormir sem mais voltar a acordar, era apenas mais uma noite de cerveja e solidão. Ao surgir o sol acordará em solidão e não terá alguém descalço a trazer-lhe a sandália. Aqueles dias que nunca mais voltarão não são apenas recordações de quando ainda tremia as pernas em emoção. Penso ainda, quer tanto andar descalço por meu apartamento. Poder, por um único dia, sentir o arrepio que dá quando se toca no chão gelado e meus lábios junto ao seu. Afastou as cortinas, como se afasta o medo, e encostou a cabeça na janela observando as luzes da cidade, deixou-se ficar a olhar as gotas caindo pelas copas das poucas árvores da Praça Raul Soares. Cerrava os dentes sempre que um vento fazia balançar a janela, receando que um dia qualquer a tempestade partisse os vidros da janela. Era o medo, apenas o medo, e o desejo, o medo, que o vidro se estilhaçasse em fragmentos e que enterram na pele rasgando aos poucos a sua pele. Abriu a janela. Antes que o vento partisse o vidro. E sentia cada beijo na pele. Cada toque suave da chuva. Cada gota que escorria misturada nas lágrimas. E era assim que se sentia bem. O ventou tombou a violeta no móvel cheio de cds e filmes. Ele debruçou-se para apanhá-la. Caiu. Esforçou-se em equilibrar no corpo que lhe restava forças, mas, caoticamente, caiu. E eram apenas risos de desprezo, humilhação e sarcasmo. Vozes ao longe. Talvez viessem debaixo da cama. Rastejou para lá. Ninguém. Há sempre ninguém. Remexeu memórias, voou, sorriu, leu tocou, amou... Chorou! Podemos ter um mundo debaixo da cama. Ou podemos ter o mundo. Ele hoje tem o mundo debaixo da cama. Sente a minha falta. Eu já não o busco mais para almoçar, passear, ir ao futebol. Arrancou a violeta, espremeu entre os dedos, arranhou, devorou. E mandou bem longe aquele resto de saudade, de dores e vontades. Sabia bem onde jogaria o vasinho, junta aquela terra que está no chão, Poe dentro de um jornal, limpando os olhos nos joelhos. Quase que esfolava as pálpebras, mas nunca estaria tão bem assim. Saiu à rua. Disse que compraria outras flores. Um bueiro explodiu à sua frente. Verdade? - Nem tinha reparado. Havia um mundo à sua volta. Claro que havia! Ele tonto, perdido ouvia os sons. E via o fantasma branco, com outra camisa de James Dean sentado na esquina da praça, sempre na mesma cadeira. E queria entrar no bar. Queria tanto entrar de novo. Falar com o fantasma E parar, e sorrir. E atravessar a frente daquele que um dia foi seu segundo sol. Mas o fantasma tinham-lhe cortado às asas. Moveu a cabeça e saiu dali. Sentia o vento que lhe batia na cara. Algo lhe sorriu. Algo o fez sentir que há lugares que são pequenos abrigos para onde podemos sempre fugir. E começou a afastar-se. E ele começou a afastar-se cada vez mais. E começou a andar cidade a fora. E a bater contra os postes e árvores da Praça. Sentiu-se culpado. Como sempre se sente quando olha para as asas. Para asas cortadas. Ergui muralhas à volta de meu peito que não o deixo partir nem deixo chegar próximo a mim. Torturas, apenas torturas que quero agora. É pena, as muralhas não deixam cuidar de alguma coisa boa que ficou dentro. Largou o orgulho junto ao primeiro orelhão que encontrou. Tem que seguir sozinho. Fútil. Julgou ser capaz de sobreviver à caminhada sem o fardo do apoio. E largou o fantasma por instantes. E deixou-se rastejar. Arranhava a pele pelo caminho. Lambia as feridas que não cicatrizavam. Chora. E assistia à queda vertiginosa das lágrimas. Deslizavam pelo peito. Sem becos, sem paragens, sem atalhos. E o fantasma sorria. E ele continuava a rastejar. E as feridas ardiam. Como ardem as feridas nas mãos. Como arde a língua em dias de nevoeiro. E o fantasma sorria. E estava feliz assim. Vingando... Chegou ao apezinho. Cansado, exausto. E deitou-se na mesma cama, dura, com lençóis surrados e sujos Com a mesma almofada colorida e com mau cheiro. Abraçou mais uma vez a solidão E na madruga tentaria enfim dormir... Ushuaia Dean Belo Horizonte, sábado seis de Novembro 2011.

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