quinta-feira, 26 de abril de 2012

AS COISAS ACONTECEM...


                                       FOTO ARQUIVO PESSOAL
                                                 AV.BIAS FORTES
                                           

             Nem preciso de imaginação, as coisas acontecem.

Sempre achei que esperar amigos e colegas na mesa de bar tinha de ter coisas mais interessantes que meninas ao celular resmungando ou pessoas vendendo coisas nos tirando do sério.
Estou ali para velhas fofocas. Bater papo e beber aquela geladinha. Pois eu bebo, quem toma são elas...
Um esbarrão a mesa e num supetão.
– Ai, tô atrasada. Também, tá uma confusão lá na Barreiro, tão instalando o trem, sabe? – ela parou em frente à mesa, desculpando-se, esbaforida. Cabelos oleosos, rosto e sombrinha judiados, trajes simples. O aparelho nos dentes era o único indicio de que ela cuidava de si. Mais tarde vi que a pista era falsa.
– Que horas são?
Estávamos sós. Fiz que não tinha relógio.
– Umas sete e cinco, sete e dez – respondi.
– E que horas são?
– Agora, seis. Respondeu!
Ela sentou-se.
– Então entro no trabalho às seis e meia.
Ainda bem.
Vai beber?Escritor!
– Sim, só uma.
– Eu estou a mais três anos sem beber. Enquanto observava o homem feio que entrava no bar.
Fui assaltada, sabe escritor? Me deram uma coronhada na boca, afrouxou tudo aqui na frente. Tive que fazer tratamento de canal e colocar aparelho. Mais três anos…
– É, é brabo. Quer dizer que estão instalando o trem do Metrô lá no Barreiro, é? – O curioso aqui já queria informação.
– Sim, tão levando o trem do metrô pra lá. Tá indo ligeiro a obra, sabe? Eu que perdi meu sítio.
– Perdeu, é? Você tinha um sítio lá no Barreiro?
– Sim, e criava égua, cavalo, porco e galinha. Daí tive que vender pró trem passar lá. Agora, tô morando num apartamento pequeno da RMV, sabe? Financiado pela Caixa. Esse mês a luz deu 12 reais só, acredita? É pra baixa renda. E isso que eu tenho geladeira, televisão, carrega celular, tenho freezer.Microondas onde seco os meus gatinhos brancos.
– Barato mesmo, 12 reais de luz é barato mesmo.
– É, mas eu sinto falta do meu sitiozinho. Eu sabia até caçar! Caçava ratão do banhado. Com um tipo de ratoeira. E é muito bom! Mais limpo que galinha, sabia? Eles não comem porcarias, só comem. Só comem. ai, sabe? Comem coisa limpa.
Concordei claro. Mas acho que deu pra disfarçar minha falta de intimidade, digamos assim, com o assunto.
– Eu não gosto de rato também. Tinha nojo daqueles ratões pretos, gordos. Mas depois que você tira a pele, aparece à carne bem branquinha. Muito bom. Fiz um banquete deles num casamento de dois gays lá em Betim.
Não sou tão fácil de ser convencido, moça.
– O pessoal de lá adora. Tem pra vender de tudo lá no Barreiro. No “ Shoppis “! Eu caçava eles, pequenos, botava numa gaiola, daí engordava e depois comia. Muito bom. Terê te dizendo. E Pipi e Papá não deixa mentir... Quer ligar a eles?Toma o celular fala com eles. São meus meigos gays.Sabe não tenho preconceitos,melhor ser gay que ser bandido.
Mas eu não estava duvidando. Por Deus que não.
A pessoa que eu esperava chegou, interrompendo a minha imersão na culinária urbana. Cumprimentou-me e pediu-me para assentar. Quase ignorou a presença da moça. Só entendi o descrédito depois.
– Que histórias têm essa sua amiga – comentou, quando ela saiu para o banheiro.
De novo aqui no bar.Noites destas encheu o saco com este lero lero.
– Ainda não descobri o nível de loucura ou de sanidade dela.
Lamentei que aquilo tudo não fosse verdade.
– A mãe dela, uma senhora distinta de Contagem, aparece muito aqui e só pede pizza. Acho que é doida essa moça. Ela me contou que faz ponto próximo ao Jornal O Tempo e como não aguenta sem sexo todo dia, vai visitar o marido na cadeia pra transar com ele.
Àquela altura, ele já ouvia de boca aberta. Bem que podia ser por causa de todo aquele enredo, mas era só em obediência a minha amizade. Bebíamos cerveja e ouvia pacientemente aquela figura destemida.
–Disse que não entendia a polícia. Prenderam-na porque roubou um pacotinho de amendoim, mas quando matou o primeiro marido não fizeram nada.
Eu gemi pra dizer-lhe que eu a ouvia.
– Quer saber mais?
Resmunguei de novo.
– Ela estava sentada aí onde você esta. De repente, baixou as calças até esta altura aqui.
Tocou no meu joelho.
– Olha como tô magra, escritor, ela insinuou. Eu olhei pros olhos e perguntei onde estava o marido dela.
Meu amigo arregalou o olho para mim, descrente.
Era um misto de surpresa e de admiração pelo meu bom senso. Ela sorria orgulhosa de suas histórias.
Foi embora.
Fiquei com a certeza de que inspiração é uma desculpa de quem não vai a bares.
Escritores que cuidam dos ouvidos não precisam de tanta imaginação assim.

USCHUAIA DEAN - Quarta feira, 23 de novembro 2011

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