quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

AINDA ONTEM NA ESTAÇÃO




















AINDA ONTEM NA ESTAÇÃO

Confesso que estou farto disto tudo agora.
Ontem definitivamente senti que ali, no meio daquela turma não é meu lugar... Se antes tinha medo dos carcarás que aproximaram devagarzinho, agora saber mais coisas da própria boca delas me frustra. Não imaginava encontrar tantas manchas e falsidades nas vozes que ouço...
Se eu tinha cuidado em ouvi-los, agora dizer é mais perigoso e tenho que ficar com meus personagens no fundo da gaveta.
Sinto que estou tão próximo que se acha que sou íntimo e estão me confidenciando coisas que no fundo eu já sabia...
Meu Deus!
Estou sentindo-me no meio da tempestade, numa daquelas chuvas chatas que insistem em cair, sem nenhum intervalo. Sinto-me postado defronte à uma janela sem vidraça, observando os pingos da chuva batendo, um a um no parapeito de minhas imaginações. Parecem aflitos para cumprirem sua missão, como eu.
Acompanho cada movimento, o piscar de olhos dos caracarás como as águas, se aquilo fosse minha principal função do dia, e lá fora assentado de longe observando o movimento da festa.
Observei porque geralmente nesses dias nublados em que o mundo parece querer desabar em água, que mais eu lembrava era a falta que meu caderno fazia. E por mais que me esforçasse para conter as lembranças, todo o esforço no final era não era em vão, sei olhar, olhar e olhar.
Nessas ocasiões, a tristeza se mistura com a alegria das lembranças de tantos momentos antes compartilhados – e se misturam fisicamente, lágrima e saliva. Entre uma e outra, a leve brisa que entrava pelo corredor do terminal transforma-se em frio; e de repente é inverno. O frio que começa a incomodar faz com que eu procure um copo de café quente e cobertor de lã, uma fagulha qualquer que a ajude a me esquentar. Mas nada parece suficiente sem o calor daquelas palavras verdadeiras que já não ouço, mas está tão ainda presente.
Gélido, continuo no meu temporal. Em tempestade, raio e trovão prostrado defronte a mim, como que numa tarde nada ensolarada, Flor começa a falar e desabafar, como se eu fosse o terapeuta das bichas ensolaradas.
Sentia-me em gota, suor e oceano, enquanto contava silenciosamente os pingos das chuvas que insistem em cair da boca felina de Flor e aquela trupe toda ali.
Preciso me reciclar, dá um tempo, aquele em que nem ouvirei lamentos de Mimi, nem o tique nervoso de Flor, ou o mascar de Bispa e o sorriso amargo de Hedionda...
Tenho que me libertar deste povo, recomeçar algo, e até mudar de cidade ou país, se preciso porque no fundo minha frustração deixa-me a mercê da fraqueza e do medo que agora me consome...
Desculpe-me por ontem, o achei muito incomodado e ainda trombar com Flor foi como ser arrastado pela correnteza desta chuva que anuncio agora...
Só posso agradecê-lo e dizer de minha admiração, no fundo aquele povo serão sempre personagens de um show que pretendo escrever...
Pois é, a outra, uma trava veio pedir que escrevesse um show especial para ela. Sei lá onde tirou isto, o Marcola me apresentou e disse que escrevo. Quis sair correndo dali com cara amassada de Miguel Falabella na chuva...
Deus é Pai...
As coisas estão tomando um rumo que não esperava e isto me frustra mesmo.
O meu abraço

BELO HORIZONTE, 07 DE NOVEMBRO 2011.
Uschuaia Dean

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