sábado, 2 de junho de 2012

DEPOIS DO SONHO


                       FOTO DIGITAL 2010

Não fui ao jogo do Galo... Optei por ficar alardemente debruçado no parapeito da janela, enquanto "papava" as pessoas com olhares como se fossem pipocas.
- Tentei dar um rumo ao dia, mas a preguiça venceu-me aos pontos. Consegui com um esforço heroico ir beber um café na cozinha. Sim foi heroico porque a cada passo dado sentia que dava um para trás. Tentei entender aquela má vontade com  as manchas de café na camisa, mas também não fui capaz de esquentar. Recorri ao Sol que brilhava, ao silêncio que reinava na rua e da imensa sorte que tenho por ser apenas um espectador do inferno que assola o país. Agradeci tudo o que já tive e tenho enquanto o ar cheira a queimado.
- Olá “DoNA", boa tarde? Está melhor? E a Dª. "Flor"?
- Olá Dona Augusta! Está tudo bem! Olhe a Flor vai andando, mas está bem melhor.
É um café Dona Augusta?
- Ainda bem, é sim.
E um golinho faz favor.
Deviam tirar uns dias.
 Também precisa descansar.
- Pois devíamos - responde DoNA com um meio sorriso - mas sabe, agora neste mês o bolso está vazio  e me resta caminhar aqui no bairro onde os amigos  sempre me paga um cafezinho quentinho, uma cerveja geladinha.
- Tem razão, sabe bem, sim e eu que o diga.
- E o como foi à festa de Flor?
Um sorriso completo desta vez.
- Muito simples, mas sabe está tudo a arder, é uma tristeza.
Fico sem palavras assim como fico quando vejo os “amigos” distantes.
- “Sabe DoNA” já não esquento com amigos, o último, a Mareth está com raiva de mim e em vez de chorar. Vou ouvindo aqui. Ali, mas lamentar, não.
- Até logo DoNA
A música acabou e vai começar o jogo do Galo
Liguei a TV e o radio como faço sempre. É quase um ritual. Bebo um café antes, durante e outro depois do jogo.
Retorno à janela enquanto rola o jogo.
- Boa tarde, como está? O seu filho?
- Uma boa tarde também. O meu filho está bem e o seu amigo chegou bem em casa ontem?
Sorri.
- Não é meu amigo, é meu irmão.
- Ah! Não sabia.
Na véspera tinha tido um ataque de bom senso, de nem sei como lhe chamar, ao começar a filosofar sobre a bebida e a condução. Logo eu. Bem, logo eu, mas não conduzo. Foi mais forte que o meu estado normal que é o de ver e não comentar, mas beber um vinho bem servido, depois de uma refeição bem "regada" e dirigir em disparada é dose. Pensei: estás ficando louco e velho estúpido. ! Caramba!
- Sabe. Lá no bar está tudo ardendo também.
- Ainda há pouco ouvi dizer que o HI FI esteve lotado ontem à noite.
- Desculpe. Mas disse?
- Que aquele bar que frequentamos, eu e teu irmão esteve lotado ontem.
- Que tristeza, aonde iremos parar?
Nossa conversa rendia e recuei no tempo e comecei lembrar-me dos meus tempos de juventude em que corria à frente da polícia, das manifestações clandestinas e da Inéz, “a bicha do exército”...
- Este Governo. Devia vir alguém com pulso firme, não uma ditadura, mas alguém com tomates e frutas feito símbolo de Paz, as bibas só querem viver de amor ou sexo.
Ri e continuava a conversa com aquela alma que o tempo lhe tinha vincado as rugas. Falou do antes, do durante e do depois e só me lembrava do meu tempo de antes. Do antes em que numa tarde, nos princípios de Novembro não fui capaz de fugir à frente da polícia e fui dentro. Durante vinte e quatro horas privei com pessoas que eu ignorava que fosse possível existirem. No dia seguinte o meu Pai foi me buscar.
- Tem de pagar dois mil Reais! - vociferou um agente da autoridade ao meu pai.
- Como? Pagar? Dois mil Reais
- Sim, se não pagar o bonitinho não sai daqui.
- Sabe que mais, se eu quisesse que meu filho passasse uma noite fora de casa, teria pago um quarto num hotel de cinco estrelas. Não pago. Pode levantar processo.
E foi assim. O meu Pai não pagou e eu nunca fui a julgamento porque eu sabia cantar.
Era a altura deles, contra a minha voz.
- Veja Senhor, sempre vivemos a ditadura - e eu já nem ouvia mais este termo.
. Queria ir embora. Queria esfolar na minha janela. E passar o dia inteiro a cantar.
Acabei por não ver os gols da vitória de meu Galo. Mas, vi a Lua da minha janela, senti o cheiro de queimado no ar e o coração em algum lugar durante o jogo, entre a dúvida e a certeza fiquei em casa.
Acordei-me, calei-me e não esqueci que meu caso é mais sério sempre após mais um sonho sem solução...

Ushuaia Dean, 12 de Julho 2011.

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