FOTO DIGITAL 2010
Não fui ao jogo do Galo... Optei por ficar alardemente
debruçado no parapeito da janela, enquanto "papava" as pessoas com
olhares como se fossem pipocas.
- Tentei dar um rumo ao dia, mas a preguiça venceu-me aos
pontos. Consegui com um esforço heroico ir beber um café na cozinha. Sim foi
heroico porque a cada passo dado sentia que dava um para trás. Tentei entender
aquela má vontade com as manchas de café
na camisa, mas também não fui capaz de esquentar. Recorri ao Sol que brilhava,
ao silêncio que reinava na rua e da imensa sorte que tenho por ser apenas um
espectador do inferno que assola o país. Agradeci tudo o que já tive e tenho
enquanto o ar cheira a queimado.
- Olá “DoNA", boa tarde? Está melhor? E a Dª.
"Flor"?
- Olá Dona Augusta! Está tudo bem! Olhe a Flor vai
andando, mas está bem melhor.
É um café Dona Augusta?
- Ainda bem, é sim.
E um golinho faz favor.
Deviam tirar uns dias.
Também precisa
descansar.
- Pois devíamos - responde DoNA com um meio sorriso - mas
sabe, agora neste mês o bolso está vazio
e me resta caminhar aqui no bairro onde os amigos sempre me paga um cafezinho quentinho, uma
cerveja geladinha.
- Tem razão, sabe bem, sim e eu que o diga.
- E o como foi à festa de Flor?
Um sorriso completo desta vez.
- Muito simples, mas sabe está tudo a arder, é uma
tristeza.
Fico sem palavras assim como fico quando vejo os “amigos”
distantes.
- “Sabe DoNA” já não esquento com amigos, o último, a
Mareth está com raiva de mim e em vez de chorar. Vou ouvindo aqui. Ali, mas
lamentar, não.
- Até logo DoNA
A música acabou e vai começar o jogo do Galo
Liguei a TV e o radio como faço sempre. É quase um
ritual. Bebo um café antes, durante e outro depois do jogo.
Retorno à janela enquanto rola o jogo.
- Boa tarde, como está? O seu filho?
- Uma boa tarde também. O meu filho está bem e o seu
amigo chegou bem em casa ontem?
Sorri.
- Não é meu amigo, é meu irmão.
- Ah! Não sabia.
Na véspera tinha tido um ataque de bom senso, de nem sei
como lhe chamar, ao começar a filosofar sobre a bebida e a condução. Logo eu.
Bem, logo eu, mas não conduzo. Foi mais forte que o meu estado normal que é o
de ver e não comentar, mas beber um vinho bem servido, depois de uma refeição
bem "regada" e dirigir em disparada é dose. Pensei: estás ficando
louco e velho estúpido. ! Caramba!
- Sabe. Lá no bar está tudo ardendo também.
- Ainda há pouco ouvi dizer que o HI FI esteve lotado
ontem à noite.
- Desculpe. Mas disse?
- Que aquele bar que frequentamos, eu e teu irmão esteve lotado
ontem.
- Que tristeza, aonde iremos parar?
Nossa conversa rendia e recuei no tempo e comecei
lembrar-me dos meus tempos de juventude em que corria à frente da polícia, das
manifestações clandestinas e da Inéz, “a bicha do exército”...
- Este Governo. Devia vir alguém com pulso firme, não uma
ditadura, mas alguém com tomates e frutas feito símbolo de Paz, as bibas só
querem viver de amor ou sexo.
Ri e continuava a conversa com aquela alma que o tempo
lhe tinha vincado as rugas. Falou do antes, do durante e do depois e só me
lembrava do meu tempo de antes. Do antes em que numa tarde, nos princípios de
Novembro não fui capaz de fugir à frente da polícia e fui dentro. Durante vinte
e quatro horas privei com pessoas que eu ignorava que fosse possível existirem.
No dia seguinte o meu Pai foi me buscar.
- Tem de pagar dois mil Reais! - vociferou um agente da
autoridade ao meu pai.
- Como? Pagar? Dois mil Reais
- Sim, se não pagar o bonitinho não sai daqui.
- Sabe que mais, se eu quisesse que meu filho passasse
uma noite fora de casa, teria pago um quarto num hotel de cinco estrelas. Não
pago. Pode levantar processo.
E foi assim. O meu Pai não pagou e eu nunca fui a
julgamento porque eu sabia cantar.
Era a altura deles, contra a minha voz.
- Veja Senhor, sempre vivemos a ditadura - e eu já nem
ouvia mais este termo.
. Queria ir embora. Queria esfolar na minha janela. E
passar o dia inteiro a cantar.
Acabei por não ver os gols da vitória de meu Galo. Mas,
vi a Lua da minha janela, senti o cheiro de queimado no ar e o coração em algum
lugar durante o jogo, entre a dúvida e a certeza fiquei em casa.
Acordei-me, calei-me e não esqueci que meu caso é mais
sério sempre após mais um sonho sem solução...
Ushuaia Dean, 12 de Julho 2011.
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