domingo, 27 de maio de 2012

FERA FERIDA

                                   FOTO ARQUIVO PESSOAL 2012
                           
Tomou toda cerveja em dois goles, quase sem intervalo de tempo.
Apenas 15 minutos que eu havia chegado ao “ QUINTAL “. Ainda passariam morcegos, baratas e ratos em sua tosca cabeça, mas Flor sentia prazer em ajustar a cadeira de madeira do bar sob  olhares de lunáticos como ele, querendo chamar a atenção por estar apenas com o tal amigo que ouvi dizer que estava só ficando, só na boa com quem pintasse no pedaço,igualzinha a Flor...A chamarei de Cravo,pois deve ser um encravo na vida das pessoas...
"Vai ao meu aniversário? Convidei e se não quiser, problema seu, não diga que não o convidei?”. Murmurava  Flor,cambaleando feito João Teimoso, boneco de plástico ou brinquedo de sabão.
A insistência de Flor pegando em minhas mãos, com cara de porre me irritava. Fez um gesto quase imperceptível com a cabeça e, falava feitas folhas secas caindo ao vento até chegar ao chão. O papo era o mesmo: Aniversário dia 4 de Julho lá  no   Santa  Mônica , e sei lá que diabos ele quer que eu vá...Assim do nada,já que nunca tivemos liberdade com o outro.. Cada palavra parecia cuidadosamente planejada. Eu que sempre procurei fugir de meus personagens, me vejo tão perto.
Já em sua mesa, um cara que vejo sempre por lá, cabelos grisalhos, cara de coruja. (  Acho que já o citei em outros contos ),que  também gosta de garotões assentou-se e ficou de papo com Flor e  seu fiel amigo,escolhia momentos,tascava-o beijinhos, soltava gargalhadas e altas palavras com o sujeito que parece chamar-se Guilherme... Ele não tinha pretensão de ser sociável, mas estava usando uma camisa colorida já toda ensanguentada de cervejas e suor gritante enquanto o resto dos senhores não ousavam mais que tons frios, o encararem com desejo ou sintonia nos sorrisos. Flor já não sorria, apenas resmungava, enquanto aguardava por DonDOCA... Eu observava os lados e as laterais - um moço se instala a quatro mesas de distância. Está sozinho, coitado, pensei. Há inquietação por todos os lados; os rumores sobre a densidade do órgão genital do moço incomodam os espectadores “haifainos” e as meninas que se acham serem senhoras em especial.
Continua a bebedeira, altos papos ao celular, lucro certo para operadoras de telefonia e uma sobra de gente em meu lado, retardatária na mesa, segue fitando até a última fileira, todos que por ali se cerceavam de desejo e atrações sexuais. Não consigo entender, mas ele encara - primeiro vira do seu lado esquerdo, depois, num súbito, levanta, pede licença e passando desajeitadamente por ele, segue até o banheiro. Nesse milésimo de instante, enquanto Flor o encarava, o moço corou ,desviou o olhar e o corpo para lhe dar passagem. Não entendeu a razão do movimento, mas preferiu respeitá-lo.
E tome cerveja... Tudo se cala - nem bocas famintas nem tosses... Nada. Apenas o barulho dos carros na rua, enquanto na TV o Fantástico mostrava uma reportagem de um juiz que cancelou uma união gay. Misteriosamente o moço, naquele momento, deixou de existir. Só reinava ele e o silêncio e a cara de tacho do amigo de camisa preta da lacoste. A maravilha do silêncio! Ali, nem narrativas, nem atuações, nem fotografia. Ali certo cansaço, nova frustração e silêncio. Fera ferida e mansa, cansada, derrotada...
Ele se bastava, como sempre, mas agora o mundo também se bastava (ou ao menos fingia muito bem).
Aquela paquera havia se mostrado mais densa que o imaginado e Flor estando chapada, não teriam como alguém de sã consciência leva-lo a sério numa noite de domingo... Também eu. Levantei - antes que a conta chegasse - e segui até ao Aldair imune. Voltei à mesa, e junto de Tony, agora mais cheio daquilo tudo, despedi enquanto falava ao celular e sai até sem ele notar. Continuou ali solitário na única mesa com garrafas fosca e calada, o amigo devia estar imaginado o tamanho do sapato do moço solitário...
Não houve mais conversação e pude notar que o moço novo no pedaço apreciou o vinho vagarosamente e seguida também partiu...
                             Uschuaia Dean, segunda, 21 de Junho 2011.

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