quinta-feira, 22 de março de 2012

A pombinha da noite.




O gosto amargo na boca já indicava como seria o resto da noite
Elétrico, Longo e pesado.
Com dificuldade, tentava arrastar para fora da mesa aquele velho corpo que ainda insistia em acreditar que era possível continuar se achando o tal.
O canto escuro, revirado pelos copos, papéis e pratos amontoados há mais de hora, estava solitário, dava sinais claros de que há tempos só ele esteve por ali. Os enfeites de Natal, horrorosos por sinal em cada canto do Quintal o inspira em respirações sôfregas ansiando por um pouco mais de cerveja. Mas suas súplicas não tinham eco. E elas sabiam que era questão de horas para sucumbirem.
E ele, com aquele andar cambaleante, tentava se encontrar em meio à desordem. Procurou o celular num canto e não achou. Sentou-se noutra cadeira de costas para mim. Sentiu a umidade encostar-se a sua carne branca, pálida e magra e cada momento mais infeliz. Um arrepio percorreu sua espinha. Viu tudo rodar, mas não desmaiou. Um cheiro estranho vindo da cozinha chamou sua atenção. Ao abrir a pesada cortina da decepção de sua mais pura solidão que o separava do mundo lá fora, avistou duas pombinhas sorridentes. Uma dela sou eu, outra... A outra, uma daquelas tantas que me cobrem de afeto e carinho.
Imagino que desejava me colocar no colo como fez algumas vezes, sentiu uma inevitável vontade de embalar-me com carinho. Mas eram fortes as decepções quê sentia agora. Olhou para o teto e lados a me ver passar. Jurou ter visto Deus. Chorou, como há muito tempo não fazia. Sentiu que suas lágrimas lavavam seu corpo velho e cansado. Pediu ajuda com todo seu coração. Foi quando a sua filha chegou. Devagar, caminhou até a mesa e tentava subtraí-lo daquela tortura.
Agora tinha certeza: era Deus que estava ali em sua frente. Num ímpeto, abraçou-se a pobre filha e quando percebeu, a noite passara.
Madrugada afora. Um vento forte vinha da avenida. Percebeu que havia adormecido mais uma vez em frente à TV, naquela mesa suja e bagunçada. Levantou da cadeira, foi ao banheiro, passou pela pia, jogou água no rosto, chorou de novo e tomou mais um copo de cerveja. Olhando para o céu, que estava forrado de nuvens negras, estremeceu ao lembrar que eu estava ali, feliz, sorridente e colocando meus planos em prática.
Sabe que quero vê-lo no chão sofrido, lânguido e acabado.
E sorvendo o último gole de cerveja, decidiu: Não queria terminar daquela forma. Então se agarrou na mão da filha e voltou para casa decidido a tomar todas as decisões adiadas até agora. Mas isso seria feito depois.
Agora era hora de voltar a dormir e tentar fugir de mais um sábado de tristes lembranças.

Uschuaia Dean, 03 dezembro 2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

VOCÊ PODERÁ GOSTAR DAS MENSAGENS ANTERIORES...